quarta-feira, 25 de agosto de 2010

errar é urbano

Outro dia tomei contato com o artigo "Corpografias Urbanas" [1] da autora Paola Berenstein Jacques. Ela parte da atual espetacularização das cidades contemporâneas para investigar micro-resistências a este processo.

Espetacularização das cidades é essa condição rompante que vivemos todos os dias, como espectadores de uma louca produção de imagens de cidades limpas, assépticas, nas quais não existem conflitos. Essa cidade vendida em faróis de trânsito, em folhetos de protegidos empreendimentos imobiliários; dilacerada em processos de gentrificação, apagamento, limpeza urbana; essa cidade que a polícia ronda, que as cercas separam, que as catracas garantem. Uma cidade que não é a da convivência.

Mas o que seria uma micro-resistência a esse processo?

Observando o Desenho Urbano "atacando" a cidade, com lápis e papel, vendo nossos corpos juntos - mesmo porque é difícil enfrentar a cidade sozinho, como já comentamos em nossas saídas - com nossos banquinhos vermelhos, percebi que somos uma síntese possível de muitas condições urbanas que enfrentamos todos os dias.

Se considerarmos o que diz Jacques, a corpografia urbana de resistência se dá quando um corpo experimenta um espaço urbano não espetacular, e isso ocorre mesmo involuntariamente, podemos afirmar que nosso corpo estranho desenha uma corpografia coletiva desta cidade.

Dançamos uma espécie de bailado migratório. Não queremos criar contra-imagens frente a espetacularização. Não pretendemos produzir grandes símbolos, nem alcançar grandes escalas. Nessa dança, registramos pedaços sentidos, atravessando lugares que nos atravessam. Nos colocamos a disposição de sons, de cacos de palavras, de gritos de ônibus, de olhares surpresos. Na ação de alinhavar paisagens e pessoas, somos algo que escapa a qualquer projeto espetacular de cidade.

Errar, ou seja, a prática da errância, pode ser um instrumento da experiência urbana, uma ferramenta subjetiva e singular, ou seja, o contrário de um método ou de um diagnóstico tradicional. A errância urbana é uma apologia da experiência da cidade, que pode ser praticada por qualquer um, mas que o errante pratica de forma voluntária. O errante é então aquele que busca o estado de espírito (ou melhor, de corpo) errante, que experimenta a cidade através das errâncias, que se preocupa mais com as práticas, ações e percursos, do que com as representações, planificações ou projeções.

Somos errantes urbanos, corpografando uma cidade que surge em linhas!

Cibele Lucena


[1] Jacques, Paola Berenstein. Corpografias Urbanas. Arquitextos. São Paulo, 08.093, Vitruvius, fev 2008.

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